A crise do papel no mercado brasileiro de mangas

Sim, vamos falar da atual crise do papel no mercado brasileiro de mangas.

Vários anos atrás, quando o mais parecido com as redes sociais de hoje era o Fotolog, a editora Conrad reinava sem grandes concorrências, ainda que a JBC fizesse um trabalho a ser notado. Diferente da sua concorrente, a editora que deu o ponta-pé no que considera-se o real início de um mercado brasileiro de mangas buscava trazer todos os seus lançamentos em papel offset, ainda que por um preço mais elevado. Não era uma época em que isso era uma grande questão ser discutida. É claro que muitos levavam em consideração essa diferença, mas num momento com tão poucas opções e o deslumbramento por ver quadrinhos nipônicos dando certo por aqui, o público estava mais interessado em comprar aqueles meio-tankos que variavam inicialmente entre R$2.90 (JBC) e R$3.50 (Conrad). Não somente esse não era um ponto relevante para aquele momento, como a o público ainda em formação rudimentar e uma internet que engatinhava prevenia qualquer questionamento maior.

No entanto, já avançando um pouco no tempo e indo aportar no início da crise que levaria a editora a ser vendida, alguns anos depois, agora com o lançamento de One Piece rolando pelas suas mãos, a Conrad decidiu por uma mudança bem questionável, trocando o papel offset pelo papel jornal (o famoso Brite), dando a desculpa de que isso foi feito para que nós, brasileiros, pudéssemos ter uma experiência mais próxima à dos japoneses.

Relembro essa história nesse post sobre a atual crise do papel que o mercado de mangas enfrenta pois é preciso pontuar uma série de questões se queremos ter um debate sério sobre a questão. Ao falarmos sobre o que é ou não aceitável, precisamos compreender antes que isso variará de acordo com as demandas históricas que nos envolvem. Se no início dos anos 2000 um manga podia vir com praticamente qualquer material gráfica pois a falta de informação e amadurecimento de um público consumidor sobre esse tipo de produto faziam com que praticamente não houvesse reclamações, hoje, após exatos 15 anos desde o início de Dragon Ball por aqui, nos encontramos em outro momento que torna certas práticas inaceitáveis.

O discurso de leitores e editores, como pudemos ver nesse resgate temporal, dança conforme a dança e isso não é diferente hoje em dia. Desde que a crise do papel estourou nos últimos meses, vejo de ambos os lados uma série de posições muitas vezes intransigentes que em nada ajudam a somar à questão. Editores como Cassius Medauar (JBC) e Diego Rodeguero (Panini) questionaram em tempos recentes como a atenção para as características gráficas de um manga muitas vezes passaria de um possível limite, diminuindo, ou mesmo ignorando, o que seria mais importante, a história e o trabalho de adaptação da mesma para vir ao nosso país. Esquece-se, porém, que a decisão de comprar um produto, especificamente uma obra cultural, precisa sim levar em consideração questões outras que não a qualidade autoral.

É preciso levar em consideração não somente o objeto em si, mas seu contexto. Vivemos em um espaço onde as tecnologias da informação democratizaram, muitas vezes ao custo da legalidade, é verdade, as produções culturais de uma forma nunca antes vista. O consumo hoje pouco perpassa uma discussão moral sobre a forma como se obtém contato com determinada produção. Nesse cenário, é importante buscar entender o que faz um pessoa gastar seu dinheiro quando muitas vezes já leu determinada história. Aqui, ainda que sem um teor mais técnico, compreendo que três aspectos se fazem presentes:

  • O aspecto autoral: história, enredo, narrativa, simbologias usadas pelo autor etc;
  • O aspecto editorial: tradução, adaptação, revisão etc;
  • E o aspecto gráfico: Design, papel, impressão, cola, corte etc.

Dessa forma, sim, precisamos levar, e muito, em consideração a questão gráfica. Não acredito que os pesos entre esses três aspectos sejam iguais, uma história fantástica faz sim muitos leitores relevarem problemas editoriais e gráficos. No entanto, os aspectos gráfico e editorial possuem uma forte influência na experiência que o leitor terá e isso não pode nunca ser ignorado ou mesmo diminuído. Falar de papel, nosso caso atual, é buscar uma experiência completa que será feita antes, durante e depois da compra e da leitura do manga. Conversa com o lado colecionador de muitos, um lado crucial se pretendemos entender porque ainda se compra material impresso.

Por outro lado, posturas rígidas por parte dos leitores, responsabilizando sem pormenores as editoras diante de uma crise mais do que explicada e vivida por todos nós, é, no mínimo, querer tapar o sol com a peneira. Sim, o dólar aumentou, o papel “X” não vem mais, a distribuição é monopolizada, além de muitas outras coisas que inviabilizam comparações muitas vezes esdrúxulas de épocas completamente diferentes da atual. Ao leitor cabe sim questionar, reclamar e cobrar, mas sempre com a maturidade de reconhecer as impossibilidades de quem está do outro lado, ou mesmo suas escolhas, visto que aquilo que eu quero pode não corresponder ao que terá um custo-benefício maior para a editora. Diante de um quadro onde escolhas difíceis terão que ser feitas, também será necessário que os consumidores façam a mais difícil de todas: escolher entre comprar e não comprar.

Felizmente nós ultrapassamos um passado onde folhas de mangas caindo nos nossos colos ao abri-los era algo constante. Onde páginas vinham de ponta-cabeça. Nosso mercado evoluiu e com ele seu público, cada vez mais exigente e observador. Temos uma diversidade maior de títulos, estilos, demografias, formatos, preços e iniciativas. Estamos, é claro, longe de um ideal, hoje nosso problema é encontrar um equilíbrio entre transparências e custo-benefício, e por isso mesmo a crise atual precisa ser usada não como geradora de brigas infantis nas redes sociais, mas como catalisadora de diálogos sinceros e interessantes, prontos para, quando possível, dar o próximo passo.

Mas e você, o que tem a dizer sobre a crise do papel no mercado brasileiro de mangas? A culpa é realmente das editoras ou existe sim uma gama de reclamações infundadas?

11 respostas em “A crise do papel no mercado brasileiro de mangas

  1. Sinceramente? Eu entendo todo o problema que as editoras enfrentam. Mas entender é diferente de aceitar. Eu, como consumidor, quero um produto que venha com uma qualidade que me dê a satisfação de estar pagando o que estou comprando.

    Pô, usando o exemplo de Gangsta. Eu estava super animado com o lançamento do mangá. Se eu vou comprar? Bom, se o volume 2 sair com a qualidade que eles prometeram no Henshin+ de hoje, talvez. Mas é inaceitável pagar o preço que estão cobrando pelo produto que estão oferecendo, ainda mais eu gastando 200 reais por mês em mangás. Eu com certeza prefiro investir esse dinheiro em volumes atrasados de outros mangás que possuem uma qualidade aceitável, que nesse mangá que não vale o que estão cobrando por ele.

    E vendo que a posição da empresa está muito mais na defensiva do que na aceitação que “está ruim mesmo e vamos tentar melhorar”, me indigna muito mais. Hoje mesmo rolou dois twitts do Cassius zoando o pessoal que está cobrando do papel, sendo que TODO mundo vê que está ruim. Se o cara possui uma posição de liderança e não está preparado para ouvir reclamação que tem fundamento e ainda fica caçoando do cara que compra o produto que ele fornece, ele simplesmente não merece estar onde está. E não é como se a reclamação fosse feita de todos os mangás. Tem títulos que a qualidade está ok, e definitivamente não é deles que estão reclamando

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    • Acho engraçado esse povo que defende editora e acha que a gente tem que bater palma e aplaudir eles quando eles acertam na qualidade, mano só acho isso um ABSURDO, a gente não tem que bater palma e aplaudir eles porra nenhuma, eles são uma EMPRESA eles tem mais que a obrigação de serem bons no que estão trabalhão.

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  2. Eu vi muita gente falando de Gangsta e todo mundo que entra no Twitter sabe que lá existem pessoas prontas para fazer da vida dos outros um inferno com apenas 140 caracteres. O que eu vi de xingamentos ao Cassius Medauar, não tá escrito! Ele não tem culpa, é mais uma vítima e acredito que sim, está tentando fazer o melhor que ele pode. Mas tem muito otakinho querendo pagar de revolucionário e agitador e fica xingando os editores ao invés de reclamar e exigir com educação e respeito. A qualidade precisa mudar, de fato! Mas a postura dos leitores também precisa.

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    • Cara pode ir parando de passar a mão na cabeça do Cassius e achando que ele é Santo que ele não é coisa nenhuma, o povo tá mais que certo na real, tem que reclamar mesmo a qualidade tá uma porcaria, Gangsta tá pior que Papel de Bíblia e mais transparente que vidro, literalmente uma piada a qualidade daquilo.

      Eu concordo que não se deve sair xingando, sendo arrogante e muito menos pagando de Troll mas sabe o que tá acontecendo com quem tá reclamando com educação, sem causar treta e reclamando numa boa ? O mesmo com quem é Troll, eles estão banindo do mesmo jeito sendo a pessoa um Troll ou não, estando reclamando deles eles vão lá e banem a pessoa só pra manter a ”Boa imagem” deles e ninguém ver realmente a qualidade lixo dos mangas deles atualmente .

      De fato não podemos pagar de Troll e discutir xingando e com falta de educação mas por outro lado a Editora também não pode simplesmente CENSURAR quem reclama deles numa boa e expõe a atual qualidade imunda dessa Empresa ,isso é muito anti ético namoral .

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      • Mas cara, raciocina comigo: Sim, não devemos fazer carinho na cabeça do Cassius e dizer “calma, calma, logo passa”, mas também não devemos colocar a questão de que “a editora tem a OBRIGAÇÃO de trazer um produto de PERFEITA qualidade”. De tudo que ta acontecendo você diz que a editora tem a obrigação de trazer um produto perfeito?! Você acha que eles não estão fazendo o possível pra melhorar?! Eles não são que nem o PT, porque eles pensam de forma em que les possam conter seu custo benefício em pé e também de agradar os leitores, pois, mesmo que isso seja capenga de ouvir, eles também são leitores e fãs, assim como nós! Se você tem tempo de ficar zoando e falando mal das EDITORAS, procure fazer algo para mudar o nosso modo de governo. Sei que isso todos já estão cansados de ouvir mas é verdade. Se você só reclamar e reclamar nada muda. Todos estão sofrendo com a crise financeira do país, eu mesmo estou, minha família toda está, e se você fica aí, sentado, maltratando o trabalho dos editores, desejo-lhe um Full Counter na sua hipocrisia. Sei que é difícil aceitar os papéis mais transparentes, mas calma, falar mal só piora, tenha senso de ética e educação e não saia reclamando de uma questão que possa ser resolvida com uma conversa séria e sem “otakisse”. Eu também sofro como consumidor e eu também desejo um produto melhor, mas não preciso criar um alvoroço desse todo. Entenda, converse e exija com educação e respeito.

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        • A editora tem obrigação sim de lançar algo o mais perfeito possível e com boa qualidade SIM, eles estão aí é justamente pra isso, é o trabalho deles e eles estão praticando essa função justamente pra ISSO mesmo .

          Tudo bem o País estar em Crise por agora, Dolar nas Alturas etc e etc, eu entendo isso e que todo mundo sofre com isso, mas se tá em Crise porque eles não dão uma segurada então ? Da um segurada nos lançamentos, foca em lançar os anunciados anteriores com uma boa qualidade ao em vez de ficar jogando manga com baixíssima qualidade pra aqui e pra ali e dentre as duas opções a Primeira é a mais sensata e claro a melhor.

          Fora que tipo eu já frisei isso, mas falo de novo pra você entender eles são uma EMPRESA, lidar com dificuldades e tempos complicados de administrativos é outra OBRIGAÇÃO deles novamente falando, se eles não conseguem lidar e administrar uma solução eles são só um Fracasso como uma Empresa na real, simples .

          E eu tenho que falar mal mesmo, tá ruim eu não sou conformista desse jeito, não vou apoiar um produto com baixa qualidade,eu não vou mentir, tá bem ruim e falo mesmo ! Quando tá ruim mesmo tem que criticar , e quando tá bom justamente elogiar só pra você ver , pega a qualidade do Death Note Black Edition, mano aquele manga ficou simplesmente com uma qualidade excelente, vale cada centavo pago e é um dinheiro muito bem investido naquele manga e adivinha , é da JBC também, estranho não ? Eu não tenho que mudar nada, eu não trabalho nesse ramo se eu trabalha-se ate que tudo bem, mas eu sou só um Consumidor eles é que tem que tomar providência e não eu, não arraste a obrigação deles para nós consumidores .

          No mais quem está sendo hipócrita é quem defende e passa a mão na cabeça de Empresa que lança produto com qualidade ruim, sugiro que assista esse vídeo

          ele explica muito bem esse ponto .

          E eu sempre tento discutir com mais tranquilidade e educação possível, tentei dialogar numa boa na página deles lá sem xingar e sem ser arrogante e eles me baniram de lá, me censuraram só pra manter uma ”Boa imagem ” deles , deprimente viu .

          E no mais tenha um Bom Dia .

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  3. Concordo com tudo. Só tenho a acrescentar um outro ponto que o Kaneda citou no ótimo vídeo que ele fez falando sobre o papel. Um papel com uma transparência dessas atrapalha a leitura, aí não importa se a história é do Kubo ou do Dostoiévski, com dificuldade pra ler não vai dar pra aproveitar.

    Sobre as gráficas, será que não daria pros leitores cobrarem diretamente delas mesmas?
    Embora eu acredito que isso possa não estar acontecendo porque quase nenhum dos leitores faz idéia de que gráficas são essas? Se não me engano agora a Panini tá com uma gráfica diferente da JBC, né?

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  4. Não vejo ninguém atacar o problema na raiz: as gráficas. Sim. São elas as “culpadas” pelo papel. É uma cadeia de produção. Se não há quem forneça, de onde eles irão tirar? Mágica? Esferas do dragão? Ah, e claro, o Governo. Sim, reclamar sem culpar o Governo seria uma heresia. Não, falando sério: Enquanto as editoras continuarem trazendo mangás que me interessam, não vou deixar de comprar só pelo papel. Quero ler, em mãos, não importa como…Deixem os caras trabalharem, uma hora melhora, para quem se importa. Não é a primeira, e não será a última “crise do papel” em Terra Brasilis …

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    • Existe uma coisa que se chama padrão de qualidade. E eles não estão preocupados com isso. Seria muito melhor marketing pra eles adiar o lançamento de algum mangá porque o padrão de qualidade não foi obtido e comunicar os consumidores desse fato, que simplesmente colocar pra vender, cobrar o mesmo preço do mangá que teria um padrão melhor e colocar a culpa na gráfica. Se a gráfica é prestadora de serviço deles, eles como clientes tem o direito de reclamar também. Mas o consumidor final não deve arcar com esses problemas.

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  5. É inadmissível o preço que cobram por um serviço de qualidade. Acho ridículo alguém defender a editora. Claro que é errado xingar, coisa de criança, mas ainda assim temos o direito de consumidor principalmente quando o preço vem aumentando drasticamente. Não importa de quem é o problema, eles são uma empresa séria, que lucram e vivem disso, várias pessoas ficaram desempregadas se deixarmos de comprar os mangás. A Panini trabalha no exterior e faz com qualidade decente lá, porque não o faz aqui? Claro que é diferente pra cada país, mas o esforço dela em melhorar a qualidade e zero. JBC cobra muito caro, pra mim o ideal seria padronizar a qualidade dos mangás de Magi. Enfim, eu nem perco meu tempo reclamando com eles no twitter, faço o que deve ser feito quando não se está satisfeito com o produto: não compro. Essa é a única ação que pode fazer com que eles tomem providências, quando afetar as contas da empresa, agora comprar e ficar pagando de hater em rede social é foda.

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